Eu não estava brincando quando disse no post de Estréia que aprendo muito com meus amigos sobre a alma humana.
Era uma sexta-feira e já passava da meia noite quando, entre taças de vinho, copos de cerveja e maços de Carlton, a roda de amigos não segura a gargalhada com a declaração do Maurinho:
Vocês sabiam que minha Tia foi Conga?!
Todos: Como assim Conga? No Parque de Diversões? A mulher que se transformava em Gorila?
Mauro: Essa mesmo. Só que ela trabalhava no Circo...
... Neide é irmã caçula de Dona Zuleica (mãe do Mauro). Hoje é uma senhora recatada de 73 anos, mas na década de 60, enquanto bem longe daqui as mulheres queimavam sutiãs, Tia Neide fez a sua parte pela liberdade da classe feminina, quando deixou marido e 5 filhas pequenas para trabalhar no circo.
Naqueles tempos, o universo de uma mulher de 30 anos, sem estudo, casada com um português milionário, mas totalmente ignorante era muito limitado. Neide era prisioneira da própria vida e da família do marido, imigrantes que vieram para o Brasil com a Corte e gerações depois mantinham a cultura "Carlota Joaquina" de tratar as pessoas.
Diante deste cenário repressor, restava a Neide apenas seus sonhos. Era frequente ela acordar no meio da noite, pensando como seria sua fuga. Se imaginava saindo pelo portão de ferro e dando seu grito de liberdade. Jurava que depois deste dia, nunca mais pisaria em Piedade.
Mas, apesar de frequente, com o passar dos anos, o sonho de liberdade ia ficando cada dia mais reprimido e distante....
Até o dia que o circo parou no bairro.
O desejo de ir além do horizonte de Piedade foi maior que tudo e tomada pela paixão de ser ela mesma, Neide aceita a única vaga de emprego disponível naquele momento: CONGA - A MULHER GORILA.
Ela sabia que assumir este personagem, significava abandonar a família tradicional e começar uma nova história.
E, assim ela fez.... seguiu com o circo mundo a fora, ganhando a vida de forma honesta, mas inusitada: A bela mulher fica atrás das grades de biquíni, e ao som de uma narração macabra, transforma-se em Conga, A Mulher Gorila. A fera arrebenta a porta da cela, a fim de amedrontar os espectadores.
Para a tranqüilidade de todos, o final era feliz! Domada pelo apresentador, a fera volta a ser uma bela e está pronta, em poucos minutos, para outra sessão do espetáculo.
Neide conheceu o mundo, passou fome, teve vários amores e um dia largou o circo. Cansada da vida mambembe, retomava aos poucos o contato com as filhas e foi trabalhar de chapeleira, em um inferninho perto da rodoviária.
Nesta época, casou pela segunda vez, com um homem decente, funcionário público, com quem teve uma vida digna e feliz. Mas, ele acabou morrendo cedo, deixando a ex artista de circo cheia de dívidas.
Não tinha muito tempo de sua viuvez, quando Neide foi surpreendida pela noticia que o pai de suas filhas, o milionário ignorante português, marido que abandonou na juventude, estava nas últimas.
Ao visitar o ex-companheiro no leito de morte, descobriu que ele deixara tudo tinha de herança para ela. Nunca vamos saber se João fez isso por amor, ou movido a vingança de mostrar a Neide que apesar de todos os passeios pela vida ela nunca tinha se desprendido de verdade de suas raízes. Doce ou amargo, a vontade de João imperou.
A ex Conga, apesar da promessa, mora em Piedade, na mesma casa que abandonara na juventude. No terreno moram as 5 filhas, casadas, solteiras, separadas e todos os 12 netos.
Cercada da família, Neide hoje sai muito pouco e como a fera que se transforma eternamente em bela, ignora o passado. Ninguém lembra, ninguém comenta, simplesmente nunca existiu.
segunda-feira, 13 de abril de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Oi Claudinha! Fico triste por perder a convivência diária com vc e me privar do seu alto astral contagiante mas, como vc mesma diz, mudanças são necessárias. Ler o seu blog me serviu de consolo e pra matar um pouco as saudades. Essa história da Conga é excelente, como todas que são contadas por vc. Continue me indicando livros, por favor!! Vc pode até não estar mais tão perto, mas as suas idéias não podem ficar longe!!
ResponderExcluirBeijos e saudades!! Isis
Essa história é sensacional! Tô rindo sozinha, igaul boba, na frente do PC. rsrs...
ResponderExcluirIsis querida, que ótimo lhe encontrar por aqui. Sucesso total e absoluto. Fico feliz que tenha gostado do blog. As mudanças são fundamentais, e melhores de encarar quando levamos conosco os amigos queridos que compartilharam o nosso caminho e irão continuar compartilhando a nossa vida! Saudades das nossas risadas nos momentos de tensão e absoluta loucura! E falando em livro...estou lendo Casório, da nossa querida Marie Keys. Espetacular e divertido como os demais, não?! Bom final de peak. Espero que esteja indo tudo muito bem. Saudades. Claudinha
ResponderExcluirRe querida, essa história é realmente maravilhosa! Só o Mauro para ter uma tia Conga, né?! hahahha
ResponderExcluirClaudete, demorei para postar, mas ainda a tempo, né? Essa estória é, realemnte, sensacional, mas a maneira como você a contou a transforma em algo quase epopéico. Brilhante!
ResponderExcluirClaudinha, cada vez que eu lembro dessa história eu me divirto muito, ainda mais por tê-la vivido, mas contada pelo seu ponto de vista ficou ainda mais divertida pois o personagem ainda está entre nós e não é nem de perto o que experimentou no passado. Parabéns, amei ter contribuido com seu blog.
ResponderExcluirAh sensacional, pena q perdi o Maurinho contando essa in loco, mas o seu relato esta demais!
ResponderExcluirbjs
Oi Claudinha!!! Saudades! O blog bombando e eu perdendo altas histórias né? Estou retomando as minhas leituras... Ri muito com a essa da Tia Conga... Apesar de engraçada e inusitada nos faz refletir sobre as grandes vitórias femininas em nossa sociedade, não é? E, particularmente, essa parte de revolução e mudança de vida eu sei exatmente como é, ainda to sentindo na pele, mas não tão radical. Amei a história... muito Legal!! Mil Beijos!!!
ResponderExcluir