quarta-feira, 26 de agosto de 2009

AUTO RETRATO

Acho tão difícil falar de si próprio , mas recebi essa incumbência e começo por dizer que gosto de cumprir tarefas e chicá-las, uma a uma, da minha agenda. E se a missão teima em me vencer, sou mais teimosa ainda e não descanso facilmente. Então, sou teimosa. Anoto tudo em papel, se não esqueço. Já tive ótima memória, decorava rapidamente músicas, números de telefones, endereços, informações em geral. Hoje uso colas. Mas não cheiro. Cheiro perfumes, temperos, plantas e papéis velhos. Minha memória olfativa, essa sim, funciona muito bem. Gosto do cheiro do velho, pois não tenho alergias. Só a esmaltes. Adoro velhinhos e velhinhas. Gosto de novidades, mesmo se forem fúteis. Mas não tenho paciência nenhuma com gente fútil. Também não tenho paciência nenhuma com vítimas eternas do mundo. Adoro a Terra. Sinto que minhas raízes crescem em direção aos quatro pontos cardeais. Cada vez que visito um lugar fica uma mudinha minha ali. Sou filha de minha mãe Cleide Árvore e de meu pai Renato Vento. Minha casa poderia estar em qualquer lugar onde meus afetos pudessem ir sempre me visitar. Adoro aviões. Adoro gente. Amo a companhia de animais - aprendo muito com eles - fonte rica. Mas também adoro ficar sozinha. Não sei lidar com despedidas. Choro. Choro muito. Choro por tudo - porque estou triste ou feliz. Adoro dormir. Durmo em qualquer lugar ou posição. Durmo muito - mas não em viagens. Também vomito muito - enjôo de barco, avião, ônibus, carro, mergulhando, fumando ilícitos. Então, não fumo ilícitos e tomo Dramin B12. Aprecio comidas e gosto de provar sabores novos. Sou gulosa. Amo doces bem doces, mas gosto do chocolate meio amargo. Tenho muitos apegos. Desejo o desapego. O apego me aprisiona. Às vezes passo temporadas em minha casa no Mundo de Oz - isso irrita algumas pessoas, mas eu gosto muito de lá também... Não sou organizada na casa, sou no trabalho. Tiro os sapatos quando entro em casa. Gosto que todos também o façam, mas às vezes tenho vergonha de pedir. Tenho vários TOC´s. Nenhum medicável, todos administráveis. Gosto de rir sem limites, me apaixonar sem limites, andar sem limites, mas de criança com limites. Ainda não tenho filhos, mas ainda sou jovem, ou pelo menos me sinto, sinceramente, muito jovem. Já tenho o pai dos meus filhos. Tem dia que o amo. Tem dia que penso em jogá-lo pela janela. Aí vou pra Oz. Sou impulsiva, mas já fui mais. Cantar é minha terapia, minha fantasia e minha liberdade. Gostaria de ter sido a autora de várias letras. Barulho não me perturba, definitivamente. Se preciso de silêncio, faço o meu silêncio. Me concentro facilmente, tanto que é difícil eu fazer bem, mais de uma coisa ao mesmo tempo. Odeio cobranças. Tenho dificuldades com críticas. Mas posso ouvir e refletir sobre tudo se for dito de uma boa maneira. Pessoas mal educadas e grosseiras me incomodam muito. Jogar lixo no chão me torna grosseira. Maldades com animais me transformam. Animais me cativam e acalmam. Sou da Ciça e do Capitão.

Visões de Laura

Todos os dias Ana vai para sua aula de yoga e pilates, onde tenta manter o equilíbrio e de certa maneira sua forma.

Uma das características mais marcantes de Ana é a curiosidade, curiosa ao extremo não deixando passar nada sem desvendar.
Qualquer detalhe passa pelo filtro dela e com isso ela desenvolveu um hábito pouco cartesiano e quase nada saudável – ouvir as conversas das pessoas que estão ao seu redor, sem nenhum pudor, chegando a fazer as coisas mais bizarras para satisfazer seu pecado.

Desde que começou a freqüentar a academia, ela observou que dois homens, um com um pouco mais de 40 anos e o outro aparentemente entre 30 e 35 anos, chegavam por volta das dez horas da manhã, se sentavam no banco em frente ao salão principal e começavam a conversar. Ela ia para sua aula e uma hora mais tarde quando voltava os homens permaneciam do mesmo jeito, conversando como duas carolas que cochicham no banco da igreja antes do padre iniciar a missa.

Essa situação, é claro, atiçou a curiosidade de Ana, que mais que depressa iniciou um processo de investigação para saber: primeiro o que tanto conversavam aqueles dois, segundo: sobre o quê conversavam, e terceiro: que tipo de atividade eles realizavam ali.

Primeiro passo: questionou à recepcionista sobre a frequência dos dois e as aulas que eles participavam, e qual não foi a surpresa, pasmem, os dois não faziam atividade nenhuma, pagavam a academia e passavam cerca de uma hora e meia sentados conversando e depois desse tempo levantavam, sorriam para a recepcionista e saíam como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Ao ouvir isso, Ana ficou muito mais empenhada em descobrir o fim dessa história, sua curiosidade a essa altura estava no estágio máximo, quase empolada, e concluiu que precisava descobrir o assunto das conversas e o motivo de estarem ali. Várias alternativas passaram por sua cabeça, assim como, a maneira como ela descobriria tudo.

Como era habitual ela resolveu tentar escutar o papo, no que teve sorte, pois o banco onde as vítimas costumavam sentar era ao lado do bebedouro, assim começando um processo de hidratação intenso.

No primeiro momento ela percebeu que eles falavam de pessoas, coisas do tipo: fulano é muito mau caráter, beltrana não dá mole pra ninguém, o Zé Mané quase ferrou a Neide da contabilidade, e assim foi dia após dia até que Ana conseguiu compor vários personagens para aquela história sem pé nem cabeça.

Mas, um belo dia, ela ouviu alto e claro o nome: Demóstenes Alicanto de Oliveira Neto, isso mesmo, esse nome enorme e inconfundível, que não poderia existir de forma alguma dois iguais, era ele mesmo, o Dedé, seu melhor amigo, parceiro de todas as horas, aqueles dois estavam esculachando o pobre do Dedé, falando horrores, inclusive sobre uma história que ele teria sido visto aos beijos com outro homem numa casa noturna GLS da cidade.

Nesse ponto a curiosidade de Ana ultrapassou os limites do aceitável e ela partiu pra cima, precisava desvendar aquilo, custasse o que custasse, pois ninguém ia ficar falando do Dedé, mesmo que aos segredos, na presença dela. Foi então que colocou a recepcionista na jogada para levantar as fichas dos dois e descobriu o nome, telefone e o endereço do trabalho deles. Nesse ponto, quase matou a charada, os dois trabalhavam no mesmo lugar que o Dedé, e através do amigo, descobriu que na Net, existia um blog específico, voltado para o local de trabalho do Dedé, que expunha a vida de todas as pessoas, sem exceção, do ascensorista ao Vice Presidente, uma verdadeira rede de intrigas, que estava sendo investigada a fim de descobrirem a origem do instrumento que já tinha prejudicado tanta gente.

Ana não falou nada ao Dedé sobre os dois, mas começou a armazenar provas, para desmascarar aquela dupla implacável de fofoqueiros que expunham as pessoas por mero prazer. Filmou, fotografou, gravou algumas das conversas sem ser notada, pois assim como eles usavam a academia como disfarce, ela também o fez em nome bem.

Passado algum tempo, e com provas suficientes contra os dois, Ana chamou o Dedé e contou tudo, mostrando-lhe todas as provas. O amigo ficou surpreso, pois aqueles dois estavam acima de qualquer suspeita, nunca foram vistos juntos, trabalhavam em departamentos diferentes e eram muito bem conceituados perante o grupo, faziam aquilo por puro prazer.

Foi então que Dedé teve uma ideia, em menos de uma semana haveria uma festa na empresa para comemorar o aniversário de fundação e seria uma excelente oportunidade para desmascarar os dois.

Dedé contou tudo para o rapaz responsável pelo TI que prontamente resolveu ajudar, como haveria uma transmissão de DVD da empresa como fundo para as comemorações, iriam exibir também o material apresentado por Ana, no momento em que estivessem todos concentrados na comemoração, acabando assim, com a maldade daquele dois.

Ana, graças a sua curiosidade, foi a responsável pelo fim de uma situação de extremo mau gosto e por que não dizer, criminosa. Ela continuou suas aulas na academia e cada vez mais, muito atenta e curiosa.

Quanto aos dois fofoqueiros, esses além de estarem sendo processados de forma coletiva por calúnia e difamação, perderam o emprego, nunca mais voltaram à academia e acho que jamais ousarão comentar sobre a vida de qualquer pessoa.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

"Pois o homem raramente escapa ao seu destino"

Maria Helena e Oswaldo estavam as vésperas de comemorar 20 anos de casado. Maurício, o filho mais velho, tinha acabado de completar a maioridade e Natalia vivia o início da adolescência.Era o retrato da família feliz do comercial de Doriana. Sempre foram muito unidos e tinham uma convivência pacífica, carinhosa e amigável.

No verão de 2002, Maurício estreava o carro novo nas nights carioca,s quando por obra e graça do destino,maldito ou um benfeitor, encontra uma prima distante, que passava o férias na Cidade Maravilhosa. Não se viam desde crianças, mas Samantha, que sempre teve uma quedinha pelo primo mais velho, não hesitou em cumprimentá-lo.

O papo de amenidades durou até uma pergunta bombástica...

Samantha: Como está o namorado da sua mãe?

Maurício: Quem? Namorado de quem?

Samantha: O Carlos, namorado da sua mãe. Encontrei com eles semana passada, lá em Salvador. Manda um beijo para eles.

Maurício ficou atônito, mas disfarçou o susto inventou uma desculpa e foi correndo para casa. Não dormiu aquela noite. Quando os primeiros raios de sol despontaram, ele acordou a irmã e contou o acontecido.

Uma decisão deveria ser tomada.Aquela informação não poderia ser ignorada, afinal, não foi por acaso o encontro com a prima soteropolitana.

Na mesa do café da manhã, um filho confuso e ferido pergunta para a mãe quem era o seu namorado. Diante do olhar assustado de Oswaldo, Maria Helena chora envergonhada, contando a verdade.

Tinha conhecido Carlos em Salvador, quando passou uma temporada ajudando a melhor amiga a inaugurar seu novo negócio, uma delicatessen, em um dos shoppings mais chiques da capital baiana.

Seu coração ficou mexido e o romance engatou. A figura da mãe e esposa, naquele momento, ficou em segundo plano. Ali estava uma mulher pedindo desculpas por ter se apaixonado por outro alguém. Um ser humano, que como todos, está suscetível a ser trapaceado pelo seu coração.

Os dias que seguiram aquela refeição foram muito difíceis. Para todos.

Maria Helena rompeu imediatamente seu romance e tentou resgatar de todas as formas o seu casamento e o respeito de seus filhos.

O relacionamento durou em paz por mais 5 anos, até que Oswaldo pediu o divórcio. Foi amigável e até hoje eles continuam tendo uma relação cordial.

Seu filho passou por um processo delicado, afinal, receber do destino tamanha revelação quando se é muito jovem, não é simples . Mas aos poucos Maurício tem conseguido desmitificar a figura materna e compreender que como nada acontece sem querer, toda esta revolução, pode sim ter uma consequencia feliz.

Para Natalia, crescer tem lhe feito entender Maria Helena. Como mulher, percebe o quão estamos propensos a uma situação como esta, digamos, que contraria o que se espera de uma mãe de família da classe média brasileira. Afinal estamos suscetíveis as armadilhas do amor, da luxuria, dos sentimentos bons e dos mais tenebrosos pertinentes a alma humana.

Quem ainda busca o perdão de si mesma é Maria Helena. Depois de Carlos nunca mais foi tocada por outro homem. Na sobrevida de seu casamento, o sexo não teve mais espaço.

Sem depositar nenhuma expectativa no destino de seu coração, essa mulher vai aos poucos se dedicando a reconstruir seu amor próprio, abalado por um encontro improvável de seu filho, numa madrugada de verão, em uma boite no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Conversa de Taxi

Quatro da manhã. Marina e Paula tomam um táxi de volta para a Zona Oeste depois de mais uma noite de bom papo, muita champa e saideira no Jobi, claro....

Nos longos quilômetros da viagem, a conversa continua a girar sobre um tema que agitou o fim da noitada: o que fariam se ganhassem a bolada da Mega-Sena acumulada daquela semana?

- Nossa, é muito dinheiro! Não preciso de tanto. Ajudaria os amigos... – diz Marina.

- Boa medida. Não se esqueça de mim! Estou louca para fazer aquele curso na Califórnia – lembra Paula.

- Mas e se fosse você que ganhasse, o que faria?

- Claro que não vou te esquecer também, amiga! Fora isso, acho que passava um ano na esbórnia!

- Um ano, só?! Com tanta grana, acho que passava uns três anos na esbórnia!

- É mesmo, um ano pode ser pouco, principalmente para garotas que gostam de agito como nós...

- Pois é. Champa, bons restaurantes e companhia da melhor qualidade...

Já na Barra, Paula é a primeira a saltar. Logo depois que ela sai, o motorista, que até então se mantinha calado, não resiste:

- Madame, desculpe me intrometer na conversa, mas posso te perguntar uma coisa? Estou com uma curiosidade que está me matando...

- Sim...

- Onde fica essa tal de esbórnia?

Marina hesita. “Bebi demais ou ele perguntou isso mesmo que estou pensando?”. Depois de longos segundos, ela encontra resposta:

- Não, amigo, você não entendeu... Esbórnia não é um lugar, é um, é um, um estado de espírito!

- Ah não, madame, não fala desse negócio de espírito comigo não que sou evangélico...

- Não! É assim como um sentimento, fazer as coisas, como estamos fazendo agora...

- O quê? Pegar um táxi às 4 da manhã?

“Ai meu Deus!”, pensou Marina, já quase ficando sóbria diante de tamanha confusão.

- Nada disso, deixa eu explicar de novo. Esbórnia é assim... viver de bem com a vida, sem preocupações, sem responsabilidades, sem precisar trabalhar, sem ter que dar satisfação para ninguém. Entendeu?

- Ah, tá, entendi. Mas onde que fica a esbórnia mesmo? Do jeito que vocês falam, deve ser legal. Bem que gostaria de passear por lá...